Gente de antes quebrar que torcer
A montra estava cerrada há alguns dias, não se notava o habitual movimento ao fim da tarde:
– Podiam fazer uma visita logo à noite! O Cine Clube precisa de apoio, os dirigentes foram presos!…
O grupo de adolescentes que estacionava habitualmente no Largo do Casal rodeou o amigo mais velho. O “Lela” nascera ali no 1º andar da casa de azulejos ao lado do “Café Chic”, cordial e simpático com aquela malta nova e agitada, procurava dar-lhes uma “dica”, pouco tempo depois de se ter assistido à magistral Sessão de Canto e Poesia que se efectuara no Luso, no dia 11/11/1967, organizada pelo Cine Clube. Era por essa razão a “detenção dos dirigentes pela DGS”, como explicou Cardoso, o presidente da Assembleia que recebeu os visitantes cumprindo a sugestão.
Daniel Cabrita tinha feito o Curso Industrial e trabalhou na CUF como “apontador” na Zona Adubos, onde encontrou o Partido, e onde percebeu a dureza e a exploração do trabalho assalariado no grande império capitalista. Passou para a Banca em 1965 e como dirigente do Sindicato dos Bancários esteve nas lutas da classe por melhores remunerações, e já como presidente participou na fundação da CGTP-Intersindical em 1970, à qual ficaria ligado até ao fim da carreira profissional.
Na sequência da sua prisão pela PIDE/DGS em 1971, devido a uma traição miserável, esteve durante dois anos na prisão do Forte de Peniche. Nessa altura foi alvo de uma formidável onda de solidariedade dos empregados bancários que se manifestaram pela sua libertação na Baixa de Lisboa, onde foram agredidos em sucessivas cargas da polícia de choque.
Tendo desempenhado importantes tarefas no Ministério do Trabalho após o 25 de Abril, Daniel foi sempre um homem afável, de trato cordial, sério e desapegado de prebendas, servindo a causa da democracia e de defesa da sua terra como militante revolucionário (era militante do PCP desde 1965). A sua exemplar cidadania, também como eleito nos órgãos autárquicos durante muitos anos, valeu-lhe a atribuição da medalha “Barreiro Reconhecido” pela CMB.
Homem frontal e íntegro, com a costela de “camarro” nascido à beira-rio, “de antes quebrar que torcer”, declinou a manobra de propaganda capciosa montada pelo actual executivo da CMB nos 50 anos de Abril, “pelo respeito que Abril nos merece!” diria o “Lela”. A sua luta (a nossa luta!) antifascista e anticapitalista, não foi por “altruísmo” ou “bravura”. Foi pela dignidade, por coragem, convicção, por generosidade, pela transformação do Mundo!
É assim que se recordarão de Daniel Isidro Figueiras Cabrita os seus camaradas e amigos!
Barreiro 13/3/25
Armando Sousa Teixeira