Quarenta anos após o 25 de Abril, evoca-se um acontecimento histórico que constitui um momento de referência, nas lutas de resistência colectiva contra a ditadura salazarista. Trata-se do levantamento popular ocorrido na vila do Barreiro, no dia 28 de Julho de 1943, que culmina um movimento grevista iniciado dias antes. Para o sufocar, a vila é tomada de assalto por forças da GNR, Polícia e Exército, no intuito de impedir os trabalhadores da CUF de prosseguir a greve de braços caídos, que haviam encetado.
A pretexto da falta de matérias-primas e combustíveis, os “balões” da CUF no Barreiro sucediam-se, atingindo indiscriminadamente toda a massa operária e não apenas “o pessoal adventício”. Só no início de 1943 a CUF despedira cerca de 500 operários e baixara salários. Ao invés, o império de Alfredo da Silva e sua família crescia, enquanto a pobreza extrema lavrava entre a população. Por essa altura, os sintomas da crise do país reflectiam-se no grande número de desempregados, vivendo-se então no Barreiro um clima de agitação crescente.
O colaboracionismo de Salazar com os regimes nazi-fascistas, facilitando o envio de grande parte dos géneros essenciais subtraídos ao mercado nacional, agudizou a situação, provocando mais fome e miséria, potenciando o clima de revolta social.
Esta situação coincide, com a reorganização interna do PCP – em curso desde 1940/41 já com Álvaro Cunhal na direcção do Partido – que começa a ganhar maior capacidade de organização e condução das lutas de massas, intensificadas no final de 1942 na região de Lisboa. Tal facto suscita uma questão, que é: importaria conhecer com mais detalhe, qual a participação do futuro Secretário-geral comunista na preparação deste movimento, sabendo-se que, naquela época, estava em contacto com elementos da organização local do Barreiro.
Quando a 21 de Julho de 1943 o Partido Comunista lança um manifesto, apelando a “formas superiores de luta”, vai ao pleno encontro do sentimento da população do Barreiro. Segundo o jornal Avante!, as paralisações começaram por volta do dia 26 de Julho e o movimento foi crescendo, com a entrada em greve de empresas como a CUF, no dia 27, onde os operários ocupavam ordeiramente os locais de trabalho, mas em greve de braços caídos. Ao terceiro dia do movimento, 28 de Julho de 1943, a greve estendera-se a Lisboa prosseguindo no Barreiro, Almada, Seixal e Amora.
«As decididas mulheres barreirenses»
No dia 28 de manhã, os operários da CUF ao dirigir-se aos locais de trabalho, encontraram os portões encerrados e guardados por forças policiais armadas, que os mandam retirar. Formam-se então duas manifestações, uma com o pessoal dos tecidos, na maioria mulheres e outra com pessoal das restantes secções. As mulheres dirigem-se às oficinas ferroviárias, que paralisam parcialmente e depois à Fábrica de cortiça Herold (Recosta), cujo pessoal engrossa a manifestação. Gritam “Temos fome”, “Temos fome”, seguindo então para a corticeira Ferreira e Filipe (parque da Cidade), onde sucedo o mesmo. A multidão dirige-se à Câmara Municipal, onde a marcha da fome conta já com milhares de trabalhadores, principalmente mulheres, que a Polícia tenta dispersar, agredindo e disparando, ferindo seis raparigas.
Outro grupo, encabeçado por mulheres e crianças ruma ao Lavradio, aonde se junta ao pessoal da fábrica Barreiras (Oficinas dos TCB) em greve. A marcha prossegue para as fábricas de goma e pólvora (Barra-a-Barra). No caminho aderem os trabalhadores das salinas e seguem para Alhos Vedros. As mulheres na frente, empunham bandeiras negras. Em Alhos Vedros paralisa toda a indústria (cortiça, velas, etc.) e a multidão dirige-se à estação ferroviária, onde a GNR carrega sobre os grevistas. Por volta das 14 horas, a manifestação é dispersa.
Entretanto no Barreiro, o outro grupo de trabalhadores da CUF dirige-se às fábricas de cortiça Teodoro Rúbio (Rua Elias Garcia), onde mais mulheres se juntam à marcha e daqui seguem para a Cantinhos (Rua do Instituto dos Ferroviários), onde sucede o mesmo. Com as ruas cheias de povo, sobretudo mulheres, dá-se novo confronto. Segundo o Avante!, o exército atira granadas de mão sobre os manifestantes, provocando feridos entre mulheres e crianças. Nos dias que se seguiram as forças policiais desencadearam uma onda de perseguições, pelas ruas e casas do Barreiro, tendo efectuado mais de 500 prisões, entre as quais se contavam cerca de 50 mulheres.
O papel das mulheres parece ter sido determinante, no levantamento popular e em todo o desenrolar do conflito. O Avante! realça justamente a coragem das «decididas mulheres barreirenses» nas marchas da fome que, enfrentando a situação com grande coragem, souberam paralisar praticamente toda a indústria e comércio do Barreiro, que se solidarizou com a população operária, numa demonstração colectiva de resistência popular ao fascismo.
No final de Agosto, o Avante! referia que se mantinham em greve no país mais de 50.000 trabalhadores, enfrentando heroicamente as medidas de repressão do governo de Salazar. No Barreiro resistia-se, apesar dos espancamentos, apesar das prisões em massa, apesar da ameaça de deportação para as colónias, apesar dos despedimentos, apesar da ocupação militar das fábricas e das ruas da vila.
Rosalina Carmona
Fontes utilizadas: Avante! VI Série, nº12, 1ª Quinzena de Julho, 1942; Avante! VI Série, nº 38, 2ª Quinzena de Agosto de 1943; Avante! VI Série, nº39, 1ª Quinzena de Setembro, 1943; Avante! VI Série, nº40, 2ª Quinzena de Setembro, 1943; ALMEIDA, Vanessa; FEIJÃO, João M. da Costa, 60º Aniversário da Greve de 1943 no Barreiro – Comunicações, CMB, 2005; CARMONA, Rosalina “O Barreiro operário. Anos 30/50. Um retrato social”, Colóquio Internacional Industrialização em Portugal, UAL, IIP, 2010
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