Barreiro, 150 Anos de História de Caminho de Ferro

Barreiro, 150 Anos de História de Caminho de Ferro

Na Assembleia Municipal do Barreiro foi discutida e votada uma moção da Autoria do Bloco de Esquerda e uma moção da CDU sobre os 150 anos de comboios no Barreiro, o pólo ferroviário e património ferroviário.

Participaram na discussão, Deputados Municipais dos vários partidos, tendo no entanto sido feitas algumas afirmações menos precisas, que, em última análise, revelam alguma falta de conhecimento sobre o património, e sobre os ferroviários

Com efeito, o que se passa é que foram 150 anos de história do Caminho de Ferro e foram exactamente os ferroviários quem ajudou com a sua participação, a construir o Barreiro, tal como ainda é hoje.

Reza a história que o Barreiro era uma terra de vinhedos e olivais, pequenas fazendas e grandes quintas, de terras arenosas e pobres, extensas praias fluviais de areia dourada e um rio generoso. É esta terra que os primeiros construtores do Caminho-de-Ferro vêm encontrar em 1854/55.

Não se pode passar simplesmente uma borracha sobre o passado, ignorando os homens que fizeram história e construíram um património cultural, arquitectónico e industrial, que alguns teimam em negar, ainda existe no Barreiro.

Existem ainda hoje, dezenas de locomotivas a diesel que actualmente estão fora de serviço e parte delas se encontram já bastante vandalizadas e que não vão ser vendidas a preço de sucata para a Argentina.

Estas encontram-se espalhadas na rotunda e no Barreiro terra.

Existe igualmente um guindaste a vapor, peça única da arqueologia industrial, que se encontra junto à Rua Miguel Bombarda e que foi usado até 1969 no extinto depósito de máquinas, no carregamento do carvão destinado ao abastecimento dos “tenders” das locomotivas a vapor.

Dezenas de outras peças de menor envergadura, material das oficinas e outros, encontram-se ainda no Barreiro, podendo e devendo fazer parte do falado Património Ferroviário, cuja existência o Srs. Deputados desconhecem.

E se em matéria de peças e máquinas, a sua existência está devidamente comprovada, o que dizer dos edifícios Ferroviários, nomeadamente, a Estação Centenária, inaugurada em 1884 do Barreiro Mar; a frontaria da antiga Estação Ferroviária, actual edifício da EMEF, doca, rotunda (antigas cocheiras das locomotivas a vapor), armazém regional, antigo edifício da Região, antigo armazém de viveres, Bairro Ferroviário, depósitos de água etc etc.

É evidente, para quem quer ver, que o Barreiro detém ainda um enorme património Ferroviário.

Ignorar esta realidade, é ignorar toda a história feita por homens e mulheres que trabalharam nos caminhos de ferro; é ignorar a importância económica e social das várias profissões exercidas ao serviço do Caminho de Ferro, tais como maquinistas, revisores, guarda fios, serralheiros, mecânicos, electricistas, factores, chefe de estação, manobradores, guarda freios, etc etc.

Os quais, através dos seus instrumentos específicos de trabalho, como é o caso do célebre  “J “, contribuíram para a construção da memória colectiva de um Povo, o Povo do Barreiro, a que acrescentam o colorido das suas histórias e aventuras, pois qualquer Ferroviário tem sempre uma “estória” para contar.

“Estórias” feitas de trabalho, labuta, luta, dor, mas também muitas alegrias e orgulho de pertencer a uma classe profissional que mudou a face do Barreiro, a partir de 1854.

Se todas estas peças, estas memórias, não chegam para criar no Barreiro um núcleo museológico Ferroviário, então o que fazer com a memória de destacados Ferroviários Barreirenses que participaram activamente na vida cívica e politica do Barreiro e do País, dos quais se destacam: Miguel Correia, dirigente da CGT anarquista e “o maior agitador Ferroviário que houve em Portugal”, segundo alguns historiadores; mais recentemente, Germano Madeira e Manuel Cabanas. Isto só para citar alguns.

Não podemos igualmente esquecer a intervenção cívica de muitos ferroviários, ilustres anónimos, que fundaram (e, nalguns casos ainda participam) a Associação de Classe Metalúrgica e Artes Anexas, em 1903, formada essencialmente por operários Ferroviários.

Ou os que fundaram a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Sul e Sueste; a Casa dos Ferroviários, actual sede do Sindicado dos Ferroviários, actualmente já em processo de degradação; a Cooperativa Cultural  Popular Barreirense e o Instituto dos Ferroviários; o Grupo Desportivo dos Ferroviários que tem tido enorme importância ao nível do Desporto Nacional.

Será que tudo isto não constitui material mais que suficiente para fazer um núcleo museológico Ferroviário ??

Um Núcleo que seja mais que um simples armazém de máquinas antigas, cheias de pó e que abre uma vez por ano como é o de Estremoz.

Um Núcleo vivo, com pessoas e máquinas ainda a trabalhar onde seja possível, que possa atrair, por exemplo, um sector determinado do turismo denominado por “turismo ferroviário”, impulsionado por associações nacionais e internacionais de entusiastas do Caminho de Ferro, que normalmente, gostam de ver a locomotiva 1810 a trabalhar; podendo dar “uma voltinha” com a 1225 e ouvir o roncar do motor diesel 1425.

Um museu vivo onde os ferroviários reformados possam ajudar a reparar a automotora 101. Um museu vivo onde se possa organizar viagens turísticas de comboio a partir do Barreiro com material diesel já fora de serviço.

Um museu vivo onde sejam relembradas as artes e ofícios, e memórias de muitos ferroviários, que, no fundo são também as memórias colectivas de um Povo. O nosso Povo.

José Encarnação

Cidadão  Ferroviário

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