Barreiro – Cidadãos unem-se na defesa do património ferroviário

Barreiro – Cidadãos unem-se na defesa do património ferroviário

No fim do século XIX, início de século XX, o caminho-de-ferro trouxe nova vida ao Barreiro. As novas infra-estruturas incluíam uma estação e oficinas de manutenção das locomotivas. Hoje, a agitação nos antigos edifícios foi substituída pelo abandono e degradação. Alertar para a importância deste património, preservá-lo atribuindo-lhe novas valências são objectivos do recém-criado Movimento Cívico de Salvaguarda do Património Ferroviário do Barreiro.

O bairro ferroviário. A rotunda ou «cocheira das máquinas». As oficinas. Estes três espaços são edifícios do século XIX, uma parte do património ferroviário do Barreiro. «Conforme foram acabando as valências de cada um destes edifícios, assim ficaram votados ao abandono. E alguns, ainda em funcionamento, estão em avançado estado de degradação», conta José Encarnação, membro fundador do Movimento Cívico de Salvaguarda do Património Ferroviário do Barreiro (MCSPFB).
Criado há perto de três meses, este movimento vem alertar a população para a riqueza do património ferroviário. «Para já temos em curso uma petição para que, entre outras, sejam tomadas medidas para a preservação, combate ao abandono e vandalização do património ferroviário edificado e técnico, ou seja, locomotivas ferramentas e peças», diz José, maquinista de comboios desde 1989.
À petição, juntam-se outras iniciativas tais como «um levantamento e inventariação de todo o património existente e promoção de passeios de bicicleta pela zona ferroviária. Um grupo barreirense que apela ao uso da bicicleta em ambiente urbano quer fazer o passeio. Nós vamos participar, explicando às pessoas para que servia cada edifício, um pouco da sua história».
Uma história cujo início se situa em 1859, «ano da inauguração oficial da construção do caminho-de-ferro do Sul e Sueste». Em 1861 fez-se a inauguração comercial. «O Barreiro estava na senda da indústria moderna e impulsionou-se uma nova vida local».
«A vila tornou-se no nó principal da travessia de gentes e mercadorias entre o Norte e o Sul do país, tornando-a um local privilegiado para a instalação de indústrias, especialmente a indústria corticeira, que exigia capacidade de transporte de grande volume».
E com o caminho-de-ferro nasce uma nova valência na localidade. É construído um espaço para «estacionar» as locomotivas. A rotunda ou «cocheira das máquinas» data de 1886.
«Com os tempos a rotunda de máquinas modernizou-se, passando a albergar o material ferroviário diesel e actualmente constitui o depósito de máquinas do Barreiro», descreve José. Para o MCSPFB, o espaço deveria ser dotado «com locomotiva, tractor e automotora, em estado de marcha, para no futuro se organizarem viagens históricas, quer pelas linhas do Sul e Sueste, quer pelo interior do antigo ramal industrial da CUF no Barreiro».
No Barreiro foram instaladas oficinas de reparação das locomotivas. No século XIX e início do XX, a cidade era conhecida como a «catedral do diesel» por ser aqui que se concentravam as reparações dos aparelhos movidos com aquele combustível.
A electrificação das linhas férreas trouxe o fim do diesel como combustível dos comboios. Com a alteração da fonte de energia, as oficinas dos caminhos-de-ferro têm o futuro ameaçado.
«Em 1886, estas oficinas eram consideradas “excepcionais”, empregando 500 operários. Funcionaram simultaneamente como gare terminal dos primeiros comboios durante mais de 20 anos. Entretanto, o seu fim está anunciado para este ano». José Encarnação explica: «A Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário já anunciou o encerramento das oficinas. Os funcionários têm assinado acordos de rescisão de contrato».
Para evitar que as oficinas encerrem e que o edifício que as alberga fique abandonado como os restantes, o Movimento Cívico apresenta algumas alternativas: «Defendemos a electrificação para as oficinas para poderem fazer a manutenção do material eléctrico. A CP – Comboios de Portugal está a apostar na electrificação das linhas e nas oficinas temos de aplicar o conhecimento adquirido nessa área».
Das oficinas onde as máquinas são «rejuvenescidas» para transportar passageiros e mercadoria, chegamos à Estação de Comboios. «É aqui que eu trabalho», diz José. «Este edifício já está muito degradado e, embora não tenhamos informação oficial, consta que vai ser encerrado e os serviços transferidos para outro local».
A estação foi projectada pelo arquitecto Miguel Paes e data de 1884. O arquitecto conquistou terreno ao rio e acabou com o problema de desembarque dos passageiros. Conta José que «quando foram inauguradas as viagens Barreiro-Vendas Novas, e, logo a seguir, Barreiro-Setúbal, ambas em 1861, os passageiros que desembarcavam na primitiva estação, que são hoje as Oficinas do Caminho-de-Ferro, eram obrigados a fazer a pé dois penosos quilómetros até ao embarcadouro do Mexilhoeiro onde começava a carreira fluvial para Lisboa».
A estação funcionou até 1994, ano de inauguração do novo terminal fluvial, «mantendo-se como término das linhas do Sado, do Alentejo e do Sul até 2004».
Em torno de toda esta azáfama, foi criado o Bairro Ferroviário. Aqui viviam os trabalhadores. Ao todo são 23 moradias construídas em 1933 e 1935. A ideia de construir estes bairros nasce durante o Estado Novo «com um duplo objectivo: por um lado fixar a mão-de-obra junto ao local de trabalho e por outro dominar e apaziguar uma população potencialmente rebelde e avessa ao regime», pormenoriza o MCSPFB.
«Grande parte das habitações já está desocupada e as pessoas que aqui vivem estão a receber cartas de despejo», diz José que continua: «Levantam-se outros interesses aqui. O plano director municipal prevê a urbanização destes terrenos e apesar da crise actual é um interesse apetecível».
A classificação deste património como de Imóvel de Interesse Municipal é uma das apostas do Movimento Cívico «para existir uma preservação da memória e da cultura ferroviária no Barreiro».
Sara Pelicano;
Fotos: MCSPFB | domingo, 22 de Julho de 2012

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