Sentida homenagem com arrepiante actualidade!
«O nosso povo pensa que, se alguém deve ser julgado por tais crimes, então que se sentem os fascistas no banco dos réus, então que se sentem no banco dos réus os actuais governantes da nação e o seu chefe, Salazar.» Estas foram das últimas palavras proferidas por Álvaro Cunhal na sua defesa perante o tribunal fascista, em Maio de 1950, palavras que soaram uma vez mais – límpidas, corajosas – na sala principal do Teatro Municipal Joaquim Benite, na estreia do espectáculo «Um dia os réus serão vocês: o julgamento de Álvaro Cunhal», no dia 25 de Abril. A sala esteve cheia, transbordante, e assim será novamente nos restantes três dias de actuação.
Entre o público encontrava-se uma delegação do PCP encabeçada por Jerónimo de Sousa, a irmã de Álvaro Cunhal, Maria Eugénia, e muitos e muitos outros, comunistas ou não, que não quiseram deixar de assistir a um espectáculo de qualidade (a que já nos habituou a Companhia de Teatro de Almada) e ao mesmo tempo homenagear uma figura ímpar, que marcou indelevelmente a história de Portugal e do século XX.
Ao longo de sensivelmente uma hora, o actor Luís Vicente encarna Álvaro Cunhal num episódio particularmente revelador da sua personalidade, determinação e coragem. O réu, que entra no tribunal após um longo período de isolamento, que considera «uma nova forma de tortura», não é alguém vencido e quebrado, antes um homem digno, certo da razão que o assiste e da vitória, mais ou menos próxima, da sua luta; aquele que ali entra como acusado, rapidamente se transforma em acusador de um regime ao serviço de uma ínfima minoria, que se mantém no poder pela força, contra a vontade da esmagadora maioria do povo; o representante de uma causa que o fascismo pretendia ali julgar e condenar logo se assume, desde o primeiro momento, como o porta-voz de uma causa triunfante e libertadora.
Ficando marcado pela justa evocação que faz de um momento e uma figura ímpares da resistência antifascista em Portugal, o espectáculo impressiona pela actualidade do texto que, retratando Portugal do início dos anos 50 do século passado, podia ter sido escrito hoje, em muitas das suas partes: o de um País submetido aos interesses das grandes potências estrangeiras, com uma economia destruída, e corrompido pela ligação promíscua do poder político ao poder económico monopolista, nacional e estrangeiro. Afirmou então Álvaro Cunhal: «Nós queremos que a economia portuguesa seja libertada do domínio dos imperialistas estrangeiros. Nós queremos que a nossa indústria, a nossa agricultura, trabalhem para bem do nosso povo e não para os cofres da City e Wall Street. Nós queremos que os recursos nacionais sejam aproveitados para o nosso apetrechamento industrial e técnico, para o desenvolvimento geral do País, e não como hoje sucede (…) Nós queremos que a política seguida em Portugal seja efectivamente portuguesa, seja determinada pelos interesses da maioria da população portuguesa e não por um ínfimo punhado de multimilionários que se tornam cúmplices dos imperialistas estrangeiros nos conselhos de administração das grandes companhias.»
O espectáculo contou ainda com a emocionante actuação de um coro de crianças, que cantaram Acordai, de José Gomes Ferreira e Fernando Lopes-Graça.
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