O monstro I e O monstro II

O monstro I e O monstro II

O monstro I

No seu livro “O velho expresso da Patagónia”, editado em Portugal em 2009, Paul Theroux conta-nos uma história interessante.

Don Camillo Galvar, inspector-geral em San Salvador na década de 1860, descreve o que descobriu acerca das práticas sangrentas dos índios que viviam próximo do lago Ilopango.

As gentes das aldeias dizem que quando os terramotos vêm do lago, o que eles sabem pelo desaparecimento do peixe, é sinal de que o monstro senhor destas regiões, que reside nas profundidades andou a comer o peixe.

O que os índios temiam era que, a menos que se lhe “proporcionasse outra dieta mais delicada e sumarenta digna do seu poder e voracidade”, ele comeria todo o peixe, não deixando nada para os pescadores apanharem.

Então os índios profundamente afectados pela escassez de peixe, reuniam-se a mando dos seus chefes. Apareciam os feiticeiros, com os seus trajes e toucados cerimoniais para delinear o que os índios tinham de fazer: deveriam atirar frutos e flores para o lago. Se os tremores continuassem, os índios voltavam a reunir-se e era-lhes dito para atirarem animais: toupeiras, guaxinins, tatus e outros roedores.

Dedicavam-se vários dias a estudar o nível das águas, a quantidade de peixe, os indícios de tremores. Se os sinais ainda fossem maus, apanhavam uma menina, levavam-na para o meio do lago e atiravam-na de mãos e pés atados.

Se os tremores de terra continuassem, outra vitima era lançada com as mesmas cerimónias.

O monstro II

Acalmar os mercados, aumentando a confiança dos investidores é um dos pilares centrais da política portuguesa. Tal como na história contada, existe um monstro vivo que precisa de alimento.

Os desígnios da nação gravitam em torno do défice, o que lança o trabalhador português num arrastamento de sacrifícios, tendo o último sido recentemente anunciado como “ uma contribuição especial para o ajustamento orçamental e absolutamente indispensável para não deixar qualquer incerteza quanto à redução do défice para 5,9 por cento”.

Na Europa, o quadro económico e social tornou-se especialmente dramático na Grécia, mesmo após terem sido implementadas medidas de enorme austeridade numa tentativa de acalmar os mercados internacionais. Ainda assim, o país continua mergulhado em águas de vulnerabilidade lodosa.

Tal como a Grécia e Portugal, muitos países livres e democráticos estão hoje fortemente subjugados aos interesses de uns quantos investidores. Estes deverão ser continuamente alimentados por uma dieta calórica e livre de condicionalismos sindicais.

Ao restante tecido humano resta apenas o alimento miúdo generosamente monitorizado pelas redes de um Estado Social que resvala para a anorexia.

Resta-lhe ainda mexer-se. Um alvo parado é o mais fácil de acertar.

Ana Sofia Soares

 

 

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