A Praia do Barreiro – José Augusto Pimenta 1886

A Praia do Barreiro – José Augusto Pimenta 1886

“Toda a praia é muito abundante de differentes mariscos, sobresahindo a todos elles o excellente mexilhão e as deliciosas ostras.”

“A praia do Barreiro, a mais procurada de quantas existem ao sul do Tejo, podendo rivalisar com muitas das que são reputadas como as melhores do nosso paiz, é vasta, aceiada em si, completamente plana e recta, de fina areia branca, e sem uma única pedra que em qualquer momento possa servir d’embaraço á navegação.”

“O limite norte e poente do concelho é formado pela praia, a qual, em consequência do grande movimento d’esta villa, está sempre povoada de muitos barcos pertencendo só ao Barreiro, vinte e quatro fragatas especialmente destinadas ao trafico do caminho de ferro do sul e sueste, além de quatorze barcos de pesca, entre grandes bateiras e bateis tripulados por doze a dezeseis homens cada uma, possuindo ainda, talvez, cerca de vinte outros barcos de differentes lotações, que se entregam á cabotagem no rio, bem como ao transporte reciproco de passageiros entre Lisboa e Barreiro.

Toda a praia é muito abundante de differentes mariscos, sobresahindo a todos elles o excellente mexilhão e as deliciosas ostras.

A pescaria foi sempre a principal industria exercida pelos habitantes d’esta villa; assim em 1702 ainda existiam 49 bateiras de pesca, conhecidas mais vulgarmente pelo nome de moletas, enormes barcos d’uma construcçào muito especial, pezada, mas própria para as grandes labutações com as vagas, construccão que, pelo seu todo, e especialmente pelo apparato bellico que apresenta á proa, parece conservar ainda as formas primiti­vas, trazidas de épochas muito remotas, talvez. coevas da fundação da villa. Hoje, porém, acha-se muito limitada e re­duzida a um pequeno numero de barcos que ainda vão pescar ao Oceano onde permanecem por muitos dias em cada viagem, enviando diariamente, por barcos especiaes denominados envia­das, que vêm ao mercado de Lisboa, grandes quantidades do melhor peixe que n’esta cidade se consome.

Tal industria, porém, tende a desapparecer com grande rapi­dez, devido não tanto á diminuição do peixe nas aguas da barra, mas especialmente á falta de braços; pois que ao affanoso e mal remunerado mister de pescadores, cheio de perigos e onde a cada instante jogam a vida, preferem as officinas do caminho de ferro, nas quaes existem, na actualidade, muitos artistas de mé­rito, filhos d’este concelho, e isto em todos os multíplices ramos de artes que alli se exercem.

O Barreiro é muitíssimo concorrido na épocha balnear por grande numero de famílias do Alentejo e da capital; não obstante as aguas da sua praia serem pouco agitadas, com tudo é este o motivo principal porque muitos a procuram de preferencia.

Uma das maiores necessidades d’esta villa, e que já se vae tornando quasi que urgente, é a construccão d’uma muralha em todo o comprimento da praia pelo lado do norte em frente da povoação; as aguas do Tejo sobem de anuo para armo d’uma maneira considerável, e n’alguns pontos, nas occasiões de prea­mar de aguas vivas, já se extendem a pouquíssimos metros de distancia das habitações.

Ha dois annos que a respectiva camará começou a arborisaçào d’esta praia com acácias espinhosas, arvores que se desinvolvem muito bem n’estes terrenos essencialmente arenosos; logo que possa conseguir-se a muralha, o que mais tarde se tornará d’uma imperiosa necessidade, e a arborisaçào de toda a praia, deve ficar um admirável bouleyard de approximadamente um kilometro de comprimento por bastantes metros de largo.

Esta praia é formada pelas aguas do Oceano, que, penetrando impávidas pelo largo canal da barra, formam o magnifico porto de Lisboa, enchendo esta formosa bahia, que banha o Bar­reiro, e onde vêm turvar-se as crystallinas aguas do Tejo.

E’ deslumbrante e esplendido o panorama que se desfruta d’este ponto e que não tem a mais pequena analogia com o de nenhuma outra praia do nosso paiz.

D’um e d’outro lado, á direita e á esquerda, apparecem mais ou menos, por entre montes ou extensas planícies verde­jantes, um sem numero de grupos de «asas apinhadas aquém e além, formando outras tantas povoações de maior ou menor im­portância d’um lado se vê o Seixal, Cova da Piedade, Almada, Cacilhas. etc.; do outro o Lavradio, Aldegallega, Alcochete e outras povoações; á esquerda as bem cuidadas quintas do In­fante D. Augusto, e a quinta real do Alfeite, com os seus ma­gníficos palácios; á direita, quasi defronte, os pinhaes cerrados do Montijo.

Ao fundo, fechando o quadro, a altiva cidade de Lisboa, a mais formosa entre as cidades do mundo como lhe chama Ale­xandre Herculauo, com os seus palácios, torres e zimbórios, er­guendo-se, á maneira de Roma, orgulhosa e imponente sobre as suas bellas collinas, ladeadas por innuneras povoações que se descortinam desde Villa Franca até Cintra.

El-rei D. Luiz na sua ultima visita ao Barreiro, realisada em 15 de Janeiro de 1877, percorrendo quasi toda a praia, a pé, ficou deveras surprehendido com a agradável perspectiva que apresenta Lisboa, vista a esta distancia; nas noites calmosas do estio nào é menos agradável apreciar o effeito produzido pela iluminação da cidade, reflectindo-se nas aguas do nosso pátrio rio.

Extendido de permeio fica o aurífero e velho Tejo de outras eras, que viu partir as frotas para a índia, e tantas vezes presenceou a chegada das naus de ouro do Brazil, agora tão humilde e socegado, servindo de espelho a tão pittorescas margens.

A cada instante se vêem sulcar cm differentes rumos, centenares de barcos de todos os tamanhos e construcções, er­guendo alvas velas de differentes formas e feitios, ou correndo pressurosos para um e outro lado, lançando no espaço nuvens de fumo, outras vezes fazendo echoar no tympano o troar dos seus canhões em signal de regosijo, ou commemoraçào d’algum facto importante.”

Texto extraído do livro de:

José Augusto Pimenta

do Ano de 1886

 

4 Responses to "A Praia do Barreiro – José Augusto Pimenta 1886"

You must be logged in to post a comment Login