Tinha havido eleições recentes na República dos Mamíferos; aos anteriores governantes, os burros-convencidos-da-parvoíce, depois de centenas de disparates e mentiras, tinha sido retirada a confiança política através de eleições.
As hienas estudaram – à pressa – o que se passava na República, compararam-na – à pressa – com o que de bom havia noutras, fizeram – à pressa – inquéritos, com muitas e variadas respostas de tolos-bem-intencionados, para saber, através do que estes coitados diziam e desejavam, o que poderia ser melhorado quando o seu Partido fosse, em breve, poder.
Diga-se, em abono da verdade, que se tinham munido desses truques para as unhas e os dentes agarrarem bem os cadeirões da vitória em democracia (palavra que, infelizmente, só merecia minúscula inicial) viciada, reles.
Partilhados com os chacais.
Claro que havia outros Partidos, pequenos, que os Mamíferos, fartos de ser enganados pelos burros, hienas ou chacais (em coligação com uns ou outros), continuavam a achar sem maturidade para a Ciência e Arte de bem governar e quase não os levavam a sério, nem os ouviam ou viam, numa estranha maleita mental colectiva.
E os dirigentes desses, por mais que o tentassem, não conseguiam entender a falta de empatia com os semelhantes.
Chegado o dia eleitoral, as patas eram comandadas por cérebros que “viravam o disco e tocavam o mesmo” – talvez gostassem de ser enganados pelos que, em alternância, tão mal lhes faziam.
Como se tivessem novas esperanças com os velhos, manhosos e ruins bichos.
Passado o discurso da vitória, curto, na promessa de grandes esforços para que o estado de coisas melhorasse, a maioria verificou, já sem qualquer amnésia mas tardiamente, que os necessitados ficavam ainda com maiores carências, que os detentores de alguns grãos e um sítio para viver, bem como a possibilidade de uns dias de lazer iam perder tudo ou quase, em impostos e inspecções, através dos quais os lambe-patas dos velhacos poderosos lhes levavam o produto do saque.
Em vez de os menos afortunados serem, com isso, ressarcidos de um pouco do sofrimento por que passavam.
Menos afortunados? Pobres? Qual quê? O roubo levado por essa desprezível animalada era para os insaciáveis bandulhos – pareciam insufláveis – dos que tudo guardavam só para eles e, pior, escondiam os bens extorquidos.
Mais mamíferos ficaram sem trabalho, casas, locais de convívio, escolas, apoio ao estudo, saúde e bem-estar.
Diziam as hienas e os chacais que os burros, no fim do atribulado mandato em que não conseguiam acertar em nada, tinham sido coagidos ao esbulho pela tríade dos lobos enviada pelo Conselho Geral dos Animais, cada vez mais afastado do que era vital para a maioria. E que ela também os obrigava a tal abuso de poder.
Os nativos saíam cada vez mais da sua região e procuravam – entre aves, batráquios, répteis – as actividades, o sustento, a habitação e o bem-estar que a sua República lhes negava. Os entes queridos, as saudades e as dificuldades de adaptação como se não existissem.
Face a isso, a primeira-hiena, a garganta nunca seca, talvez por achar que o descaramento era ilimitado, convidou alguns dos que já não tinham salário na nobre profissão de ensinar os mamíferos de todas a idades à ida para longínquas paragens onde – achava, sem nada organizar nesse sentido – o obteriam.
E mais: que se fabricasse sem fábricas, se pescasse sem barcos, se tornasse empreendedor e criativo quem mal sabia ler, se exportasse o que não havia, se abrisse minas, fechadas nos tempos do avô e bisavô.
Também as escolas do povo-mamífero, o serviço de saúde e assistência, os tribunais, os militares e polícias eram excrescências que, pouco a pouco, acabariam.
Ora tal afundamento da República, levaria, sem qualquer dúvida, a juntar muitas notas e moedas que a tríade oficial dos lobos (e outras) vigiava(m) e queria(m) abocanhar. De qualquer maneira.
Face à estupefacção que se apoderou da maioria, Filipe-macaco-maduro-e-inteligente, conduziu um grupo, militar e civil, disciplinado e amante da Pátria, primeiro em segredo, depois fundido na República, a acabar com o poder dos cínicos e péssimos hienas e chacais que, cheios de sorte, só tiveram tempo de ir para onde estavam a mandar a população.
Ficaram alguns, que se arrependeram do que andavam a fazer. Ofereceram-se para o trabalho nas minas, pesca, fábricas, agricultura. E para a criatividade e empreendedorismo.
O tempo passou, a República reconstituiu-se, os postos de trabalho voltaram, a prosperidade construiu-se, Filipe, o macaco, e os seus ficaram nas narrativas de mães e pais para filhos, embora tivessem preferido o anonimato.
(Moral da História e da história: “Se queres receber, dá.” Ou a alternativa pertence ao estimado leitor.
Manuela Fonseca *
*Colaboradora do barreiroweb.com
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