LEVANTADO DO CHÃO-1 O engenheiro Luís A.

LEVANTADO DO CHÃO-1  O engenheiro Luís A.

São quase oito horas da noite, escura e fria de Inverno. Na esquina da Praça Bento de Jesus Caraça, no desvio das obras da Avenida da Praia (que nunca mais acabam e a Autarquia não nos explica porquê!?), um autocarro dos Transportes Colectivos atropela o velho engenheiro Luís A. que atravessava a rua no seu passo trôpego e inseguro. No local, mal iluminado, não há passadeiras marcadas.
   Caído no chão com sangue a escorrer da cabeça (traumatismo craniano por certo), apoiado por mãos competentes, o resto do corpo parece estar bem. Chegou o 112 e um Pronto Socorro dos Bombeiros do Sul e Sueste, muitos jovens bombeiros que prestam os primeiros socorros. Para poderem trabalhar com destreza, cortam o blusão de cabedal que Luís A., Inverno, Verão, Inverno, usa há mais de 10 anos! È o único símbolo de uma vida bem diferente, nestes  anos de vil tristeza, miséria e solidão.
   O projector dos bombeiros que ilumina o local do desastre é alimentado por um gerador que faz uma poluição danada. 

                         *

  Chegam curiosos: “Quem é o senhor, coitado?! Ah! Eu conheço esse velhinho, anda por aí a recolher restos dos caixotes!”
  -Como é que se chama? – pergunta um socorrista.
  -Luís!…Chamo-me Luís A..
  Conheci o engenheiro Luís A. há muitos anos,na altura em que se construia a Revolução de Abril.Homem alto, bem parecido,opiniões contundentes de democrata consequente e crítico.Nem tudo ía bem no percurso revolucionário, cometiam-se erros e não havia muito tempo para aprender, mas avançava-se!Impressionava a inteligência e a personalidade vincada do engenheiro civil, sócio duma empresa especializada em pré-fabricados de betão.
  Depois os caminhos raramente se cruzaram, esmoreceu a militãncia política à medida que a contra revolução avançava, até que há cerca de dez anos reconheci o eng. Luís A., envelhecido, com um ar contristado, caminhando na Av. Bento Gonçalves (Av. da Praia), cadernos debaixo do braço:
  – Bom dia! Como está?
  – Bom…dia!…- resposta esquiva, meio assustada,percebi que não queria conversas(?).
  Algo não estava bem, talvez o afastamento prematuro da vida activa, que tantos problemas sociais, económicos e psicológicos tem causado na nossa região. Soube-se depois a desgraça da falência da empresa de que Luís A. era sócio, e das dívidas do patrão para quem trabalhou a seguir. Estava-se no início da terrível ofensiva que o capitalismo selvagem desencadeou contra a Humanidade em geral, o nosso País em especial e a nossa região em particular.
  Vimo-lo mais tarde a caminhar na solidão duma noite fria, rumo ao Mexilhoeiro (ter-se-á incompatibilizado com a família, pois tem mulher e filho no Barreiro!)
  Solicitada ao presidente da CM do Barreiro a intervenção da Divisão de Assuntos Sociais, Luís A. reagiu desabridamente: ” O senhor presidente da Câmara que se procupe com os seus problemas!”.
Machucado pela Sociedade, revoltado consigo próprio,alienado pela desgraça,recusava o apoio que certamente entendia caritativo. Estava no seu direito, a colectividade cidadã deve-lhe muito mais!
  Dia após dia, mês após mês, é uma dor de alma ver o engenheiro civil emérito, arrastand~-se agarrado a um velho chapéu de chuva, no frio gélido ou no calor tórrido, para a barraca no Mexilhoeiro que alguém cedeu condoído.
  É angustiante ver o Luís A. procurando restos de comida nos contentores do lixo. Bem sabemos que não é o único nesta terra deprimida economicamente, e que cada vez são mais os indigentes no País à beira do abismo.

                        *

  – Já o levantei do chão duas vezes!- conta uma camarra solidária, da Srª do Rosário, no círculo que assiste à partida da ambulância.
  Rijo de têmpera, machucado mas resistente como já deu provas, fazemos votos para que o engenheiro Luís A. melhore dos ferimentos. Mas depois é preciso levantá-lo do chão, definitivamente!
  Família, Segurança Social, Autarquias, Misericórdia, cidadãos barreirenses, todos temos responsabilidades!
  Tal como em relação ao País, para sair da ruína em que o estão lançando!
  E já não há muito mais tempo!

Barreiro,18/1/2012
Armando de Sousa Teixeira

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