Comemorações do Centenário do Nascimento de Álvaro Cunhal
O Auditório da Biblioteca Municipal do Barreiro encheu no dia 9 de março, para a iniciativa “À Conversa sobre as Conversas de Cunhal”. Quase 200 pessoas participaram num debate em que as jornalistas Judite de Sousa e Catarina Pires recordaram as entrevistas que realizaram a Álvaro Cunhal. Recordações emotivas, das oradoras e do público, lembraram o Homem, o Pensador e o Artista como uma pessoa “inteligente”, “coerente”, “afetuoso”.
A moderadora, Professora Carla Marina Santos, enquadrou a iniciativa, recordando o Dia Internacional da Mulher (comemorado a 8 de março) e a defesa de Álvaro Cunhal pela independência e emancipação das mulheres e pela paridade entre homens e mulheres. Lembrou ainda a tese de Licenciatura apresentada por Álvaro Cunhal “O Aborto: Causas e Soluções”, apresentada em 1940, considerando ainda hoje, um tema bastante atual. “É inteiramente justa” esta homenagem a um homem “ímpar na História de Portugal”, referiu, salientando a sua “personalidade singular”, a vida de resistência à ditadura, a sua obra política, filosófica e artística. “É um exemplo de seriedade e coragem que lhe deram prestígio nacional e internacional”, salientou.
Carla Marina Santos apresentou as duas jornalistas convidadas: Judite de Sousa, jornalista da RTP durante muitos anos, onde fez inúmeras entrevistas politicas, nomeadamente a Álvaro Cunhal. Atualmente exerce funções na TVI; e Catarina Pires, jornalista na Notícias Magazine. Editou o livro “Cinco Conversas com Álvaro Cunhal”, sobre “História”, “O Mundo”, “A Política”, “A Arte” e “As coisas da Vida”.
Judite de Sousa lembrou que, a partir de 1991/93, no âmbito do seu trabalho no jornalismo televisivo, entrevistou regularmente Álvaro Cunhal, lembrando que, em televisão, as entrevistas são diferentes devido aos condicionalismos do tempo, do facto de serem em direto, sendo também muito factuais, cingidas aos acontecimentos que marcam a atualidade. “Se não fossem as circunstâncias do meio televisivo, as entrevistas a Álvaro Cunhal poderiam ter sido mais ricas”. Judite de Sousa lembrou, em particular, a última entrevista, realizada a 6 de março de 2001, lendo um texto que escreveu na altura sobre aquele momento, que era especial, porque “pela primeira vez, o líder histórico do Partido Comunista Português (PCP) abriu as portas do seu espaço privado”, nos Olivais, em Lisboa. “Aproximavam-se os 80 anos do PCP. Já há um tempo que Álvaro Cunhal estava afastado das lides partidárias”, embora mantendo-se “vigilante” em relação ao que se passava no País e no Partido. No âmbito das comemorações dos 80 anos do PCP, Judite de Sousa solicitou ao assessor de imprensa do Partido um testemunho de Álvaro Cunhal. “Passado uns dias toca o telemóvel e, do outro lado, era o Dr. Álvaro Cunhal que disse que dava o testemunho e, para minha surpresa, dá-me a morada da sua casa”. A entrevista seria feita no seu apartamento, onde “provavelmente nunca nenhum jornalista tinha estado”.
“Na sala da sua casa, tinha, à minha frente, um homem simples”, referiu Judite de Sousa, salientando que “coerência” é a palavra indicada quando se fala de Álvaro Cunhal. “O seu discurso político e ideológico era coerente com a vida que levou e isso estava evidente perante os meus olhos”, referiu. “Havia uma relação muito direta entre a forma como vivia, simples, austera, sóbria, e o discurso político para o exterior”.
“Naquela meia hora na casa dele não tive a perceção que seria a última entrevista que ele iria dar”, refere a jornalista, afirmando que se tivesse tido essa noção, teria tentando uma entrevista diferente, com mais conteúdo.
Nas entrevistas políticas em estúdio, Judite de Sousa lembrou que Álvaro Cunhal chegava sempre antes da hora marcada e respondia às perguntas, dizendo “aquilo que queria dizer e não aquilo que os jornalistas queriam que ele dissesse”, por mais talentoso que fosse o entrevistador. Por mais tensas e pulsantes que fossem as entrevistas, Álvaro Cunhal, despedia-se com a mesma cordialidade e o mesmo semblante com que tinha entrado.
“O Dr. Álvaro Cunhal foi sempre uma pessoa muito afável e disponível, embora fosse uma pessoa que impunha respeito, impunha distância intelectual, sentimos que não temos bagagem para chegar até ele”, lembrou a jornalista, concluindo “era disponível, afável, generoso, mas inatingível”.
Judite de Sousa lembrou as imagens do funeral de Álvaro Cunhal. “Estava ali o País. Era muita gente e, portanto, era algo mais do que o mundo próprio da pessoa e isso significa que ele era olhado com muito respeito pelos seus adversários políticos, o que se materializou nas multidões que acompanharam o funeral”. Concluiu “é uma pessoa transversal em termos de respeito na sociedade portuguesa”.
Catarina Pires escreveu, com 24 anos, logo após ter concluído a licenciatura em Ciências da Comunicação, o livro “Cinco Conversas com Álvaro Cunhal”. Depois do livro, “tornei-me amiga dele e visitava-o”. A jornalista considera que, muito do que se escrevia na imprensa sobre Álvaro Cunhal “não lhe faz justiça”. “Há muitas pessoas que escrevem sobre ele e nem o conheceram”, considerando que o percurso de Álvaro Cunhal “impõe respeito”.
Catarina Pires lembrou que, no âmbito do curso de Comunicação, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, teve de fazer um trabalho sobre uma personalidade política portuguesa viva e decidiu que fosse sobre Álvaro Cunhal. Após o contato inicial com a sede do PCP, apresentou a ideia ao líder comunista. Apesar de Álvaro Cunhal lhe dizer que preferia que Catarina Pires não fizesse o trabalho sobre ele, a ‘aspirante’ a jornalista fez, mostrou-lhe depois e “ele gostou”. “Aí começou a história do livro”, referiu, explicando que, quando estava como estagiária no Notícias Magazine, teve “a lata”, como referiu, de pedir, outra vez, uma entrevista a Álvaro Cunhal, à qual ele respondeu positivamente. “Passado uns dias telefonou-me e perguntou se, em vez de uma entrevista, fizéssemos um livro e entrei nesta aventura um bocadinho louca. Foram 18 horas de conversas e mais uns meses de trabalho”.
“Era uma pessoa muito generosa e curioso, com vontade de saber o que uma jovem de 24 anos pensava sobre uma série de coisas”, referiu, afirmando que “quando fazem um retrato dogmático e fechado, não corresponde à realidade, não foi essa a pessoa que eu conheci. Acho que nunca mais vou entrevistar ninguém como ele. Ao longo de 14 anos de jornalismo, deu-me a responsabilidade de fazer coisas bonitas, como ele dizia”. Salientou, inclusive, que “quando ia visitá-lo e conversávamos, perguntava sempre isso, se estava a fazer coisas bonitas. Foi uma entrevista e um amigo para o resto da vida”, concluiu.
Muitas pessoas intervieram no período do debate, recordando situações em que privaram com Álvaro Cunhal, colocando questões às oradoras, salientando a capacidade intelectual do homem político e do artista, mas também referindo a forma afável como tratava os outros. Reforçando esta ideia, Catarina Pires salientou que Álvaro Cunhal “era um homem afetuoso, que dava afeto e também o recebia. O amor era um lado importante da vida dele que ele cultivava muito. Um homem com 87 anos era capaz de se tornar amigo de uma miúda de 24”, exemplificou.
Iniciativas no âmbito das Comemorações do Centenário do Nascimento de Álvaro Cunhal
No final do debate, Regina Janeiro, Vereadora responsável pela Cultura da Câmara Municipal do Barreiro, referiu que Álvaro Cunhal “marca determinantemente a revolução em Portugal”. Em conjunto com diversos parceiros, a Autarquia decidiu assinalar o centenário do seu nascimento com diversas iniciativas, sendo que a próxima, com a colaboração do Cineclube do Barreiro, será a exibição de dois filmes adaptados de romances de Álvaro Cunhal.
“Era um grande homem, com sensibilidades, opiniões, algumas vezes vincadas e outras mais flexíveis. Foi um grande homem político, da escrita, da arte e da estética”, referiu Regina Janeiro.
Por seu lado, o Presidente da CMB, Carlos Humberto de Carvalho, considerou que, nestas iniciativas, “mais importante do que intervenção cívica, social, política, ideológica e de cidadania de Álvaro Cunhal e todo o seu percurso, a sua coerência e a capacidade de não desistir perante as dificuldades, é reconhecermos o papel histórico da sua intervenção e ver como retiramos conhecimentos e experiências para os dias de hoje. As comemorações devem olhar para trás e ver o que foi a experiência histórica destes cem anos para os nossos dias”.
CMB 2013-03-11
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