O REGRESSO DAS BANDEIRAS

O REGRESSO DAS BANDEIRAS

bandeira vermelhaComemorações dos 80 anos da Jornada de Agitação e Luta de Fevereiro de 1935, no Barreiro

Cerca de uma centena de pessoas assistiu à entrega simbólica de documentos, em suporte digital, de todo o “Processo das Bandeiras” (da PVDE), do acervo documental do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, pelo Diretor Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, Silvestre Lacerda, ao Presidente da Câmara Municipal do Barreiro, Carlos Humberto de Carvalho.

Este evento marcou o ponto de partida das comemorações, que se irão prolongar durante o primeiro semestre de 2016, no âmbito das Comemorações dos 80 anos da Jornada de Agitação e Luta de Fevereiro de 1935. Para 28 de fevereiro do próximo ano, está já agendada a inauguração da exposição temporária “O Regresso das Bandeiras”, no Espaço Memória.

A iniciativa resulta de uma parceria entre o Município do Barreiro e o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, assinalando um momento icónico da história do Barreiro do século XX, da resistência ao “Estado Novo” e da luta pela liberdade.

Os documentos relativos ao “Processo das Bandeiras” estão disponíveis para consulta integral nos equipamentos municipais e através do portal Espaço Memória http://memoriaefuturo.cm-barreiro.pt/pt/portal/noticiasagenda/o-regresso-das-bandeiras-acervo-da-torre-do-tombo-disponivel-para-consulta.html .

Na cerimónia, destacaram-se as presenças de Joaquim José da Costa, filho de Acácio José da Costa, um dos envolvidos no “Processo das Bandeiras”, seus familiares, para além dos vereadores do Município do Barreiro e eleitos do Concelho.

“O episódio das Bandeiras vermelhas será recordado durante gerações, tornando-se parte inalienável da memória coletiva do Barreiro e do seu papel na resistência ao regime fascista do Estado Novo”, ressalvou com emoção o Presidente da CMB (intervenção em anexo).

Afirmou que, neste episódio, “encontra-se a coragem de um punhado de barreirenses que afrontou a ditadura do Estado Novo, com a determinação do Partido Comunista Português para, num quadro de duríssima repressão, levar a efeito, na vila operária do Barreiro, uma surpreendente ação de agitação e protesto”.

Valorização da Memória

Na opinião do Presidente, “cabe a cada um de nós todos travar a batalha da memória. Cabe às autarquias dar voz ao tempo e aos homens também dando memória aos que não têm ou aos que vão vendo a sua memória apagada e esquecida. É uma das funções deste Espaço Memória”. Este equipamento municipal permite “assumir o papel ativo que defendemos para a Administração Pública na assunção de políticas de valorização da memória. Entendemos que passos como este assumem importância na formação da nossa identidade e na compreensão dos alicerces do projeto societário nascido da Revolução de Abril”.

Acredita que “só valorizando a memória tornamos possível e efetiva a transmissão às gerações presentes e vindouras de experiências e percursos culturais concretos”.

O Regresso de um “tempo de bandeiras”

O “Processo das Bandeiras” foi descoberto há pouco tempo, segundo informou o Presidente do Município. “Trabalhando outros temas, encontrámos na Torre do Tombo, nos arquivos da PIDE, o ‘Processo das Bandeiras’ como ficou conhecido. Lá estava tudo. Os processos da polícia, os folhetos, as tarjetas, os relatos e, por último, algumas das bandeiras. A nossa memória estava ali. À nossa frente. Era imprescindível resgatá-la”.

Para Carlos Humberto de Carvalho, “mais que o regresso daquelas bandeiras em concreto ao local do seu nascimento enquanto atores duma história identificável e contável, assinalamos o regresso de um tempo de ‘bandeiras’. Tomamos o nosso lugar na construção de um tempo de ideias. Assumimos a urgência de um tempo de ideais. Partimos para o debate. Qual o papel da memória? Como nascem e vivem os mitos, e o que são? Que força e que sentido há neste ato praticado há 80 anos? Que contextos, então e agora? Que agentes? Que caminhos? Que resistências?”.

Ao longo dos próximos seis meses estão previstas múltiplas iniciativas. Pretende-se, segundo o Autarca, “interrogar esta História, esta memória e a sua experiência em múltiplas perspetivas: através do teatro, do cinema, da música, da história, da antropologia, do debate, da visita aos locais que assistiram ao desenrolar destes acontecimentos, do conhecimento da vida dos envolvidos, aprofundando o fundo de história oral do Barreiro e aproveitando todas as linhas de trabalho ao nosso alcance”.

O programa das comemorações será divulgado em breve. O Autarca anunciou para já, no 28 de fevereiro de 2016, a inauguração da exposição temporária “O Regresso das Bandeiras”, no Espaço Memória.

Agradeceu a Silvestre Lacerda a ideia que está na origem deste ato inaugural – “a entrega simbólica do ‘Processo das Bandeiras’, para que o Município do Barreiro possa, igualmente, disponibilizá-lo a investigadores, estudantes e interessados na História”.

O Autarca expressou, igualmente, o seu reconhecimento ao grupo de teatro Vigilâmbulo Caolho que distribuiu “clandestinamente e com grande sucesso, propaganda revolucionária convidando a população para o evento de hoje”.

Estendeu os agradecimentos ao “movimento associativo local, à comunidade educativa, aos meios universitários, às organizações de trabalhadores, aos familiares de intervenientes diretos nestas ações de há 80 anos, entes públicos e privados”.

“Era possível a resistência, era possível acreditar que os tempos poderiam mudar”

Silvestre Lacerda recordou a repressão de 8 de janeiro de 1934, quando o Barreiro e todo o movimento operário português “foi decapitado relativamente ao que era uma boa parte importante dos seus dirigentes. Assim, Salazar, a Polícia Política e os responsáveis do Regime entendiam que estava tudo sereno. Mas não era assim para quem tem aspirações pela liberdade, lutava por ela”.

O que se passou na noite de 28 de fevereiro para o dia 1 de março de 1935 foi, para o Diretor, a “vontade e a capacidade de demonstrar que era possível a resistência e que era possível acreditar que os tempos poderiam mudar”.

Acredita que se deve olhar o futuro tendo “por base a experiência que foi sendo acumulada, que vamos encontrando para ganhar nova forma de intervir”.

Apesar de hoje ser possível encontrar partes das bandeiras, mas mais do que o seu valor simbólico, é na opinião de Silvestre Lacerda “a nossa capacidade de reinterpretar, é a necessidade de hoje termos bandeiras e de necessitar delas. Tendo em conta as reivindicações daqueles homens, ainda somos capazes de hoje reconhecer mensagens e horizontes por cumprir”.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

“Uma casa de memória. Tem como uma das suas missões salvaguardar e preservar essa memória”. Foi assim que o seu Diretor definiu o funcionamento desta entidade, que ao ser desafiada pelo Municipio do Barreiro para participar neste projeto “fá-lo na sua missão: difundir, divulgar para ajudar a preservar, ajudar a conhecer e a amar esse património, não é só cultural é mais alargado, é património nacional e esse deve estar ao serviço das populações”.

Relativamente aos documentos que entregou à CMB, caracteriza-os de “vozes distorcidas pela PVDE. Esta não é a verdade, é uma das perspetivas de quem quer avançar com o conhecimento. Se não formos capazes de dar voz aos que tinham voz mais fraca, naturalmente toda a escrita da História será feita por outros que no momento exato estiveram do outro lado”.

Finalizou a sua intervenção felicitando o Município do Barreiro pela “iniciativa meritória”.

A História

Na madrugada do dia 28 de fevereiro de 1935, vários homens colam por toda a Vila do Barreiro e Lavradio manifestos e tarjetas “Contra a guerra imperialista e o fascismo”, “Contra a ditadura de Salazar”, pelo apoio ao “Socorro Vermelho Internacional”, pela “Jornada de 7 horas sem redução de Salários”, entre outras reivindicações.

Colam em portas, paredes, janelas, candeeiros. Às centenas.

Na mesma noite, são hasteadas bandeiras vermelhas em algumas das principais ruas do Barreiro. Na Rua Heliodoro Salgado, na Rua Joaquim António Aguiar, na Avenida da Bélgica (atual Av. Alfredo da Silva), na Rua do Campo do Luso e na Rua Miguel Bombarda (Lavradio).

Mas a maior surpresa guarda-a a Chaminé das Oficinas Gerais da CP. Bem no topo dos seus 36 metros, ondula ao vento uma bandeira vermelha na qual alguém pintara uma foice e um martelo e as iniciais P.C.P.

Durante as últimas horas da madrugada, a GNR percorrerá todo o Concelho. Arrancando tarjetas e manifestos, cobrindo com cal as inscrições nas paredes, retirando as bandeiras hasteadas nas ruas.

Restará a Chaminé das Oficinas Gerais da CP. Aí, a bandeira vermelha hasteada durante a noite lançará o seu desafio até meio da manhã. Toda a Vila a vê. Não há como apagá-la.

Serão precisas equipas técnicas da C.P. para subir os 36 metros da Chaminé das Oficinas Gerais e retirar a bandeira vermelha.

Nos dias que se seguiram ao 28 de fevereiro de 1935, a GNR, a PVDE e as Autoridades Administrativas prenderam, interrogaram e acusaram 35 cidadãos de participação no “Processo das Bandeiras”.

Acácio José da Costa é um dos envolvidos.

Preso a 16 de março de 1935, ele passa pela prisão do Aljube, pela Fortaleza Militar de Peniche, novamente pelo Aljube e, finalmente, por Caxias.

É julgado e condenado no Tribunal Militar Especial de Lisboa em 15 de fevereiro de 1936.

A pena: 18 meses de prisão correcional e perda de direitos políticos por 5 anos.

A 6 de setembro de 1936, depois de integralmente cumprida a pena de prisão em que fora condenado, Acácio José da Costa verá serem-lhe aplicadas “medidas de segurança” que, na prática, permitirão à PVDE mantê-lo em prisão preventiva indefinidamente.

Em 17 de outubro de 1936, ele integrará as primeiras levas de presos políticos enviados para a Colónia Penal do Tarrafal, onde passará os 8 anos seguintes.

Em Cabo Verde, cruzar-se-á, entre muitos outros, com J. Nobre Madeira, outro barreirense, e Bento Gonçalves, Secretário-geral do Partido Comunista Português, que perderá a vida no Tarrafal em 1942.

Acácio José da Costa será devolvido à liberdade em 12 de outubro de 1944, nove anos e sete meses depois da sua detenção.

CMB 2015-12-15

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