Voltamos a este tema que nos é particularmente sensível : a Guerra Colonial.
Não só por causa do discurso reaccionário de Aníbal Cavaco Silva, numa cerimónia de cariz conservador, organizada pela Liga dos Combatentes, comemorando os 50 anos do início da Guerra, mas sobretudo por ter recebido uma mensagem comovente de um camarada de tropa, que testemunhou um acontecimento significativo por nós vivido em 1972, em plena guerra em Chipera, Tete, Moçambique.
Transcrevo com a compreensão do autor : “ Recordo-me perfeitamente de no final de 1972 aparecer um avião com a polícia militar de luvas brancas e levar um furriel rebelde. Para evacuar feridos no mato, quase nunca havia meios aéreos (…) Ao longo de quase 40 anos fiz muitas reflexões sobre o tema da guerra colonial e aquela imagem do avião expressamente preparado para levar o camarada, nunca saiu do meu imaginário. Coloquei a mim próprio várias interrogações : para onde o teriam levado ? O que lhe teria acontecido ? Que mal teria feito ? “
A Guerra Colonial foi um acontecimento dramático, trágico e traumatizante para mais de um milhão de jovens portugueses, obrigados a participar na repressão dos povos africanos de Angola , Guiné e Moçambique, em luta pela sua libertação e independência.
Mesmo para aqueles que ficaram na paz podre dos QG`s nas cidades, o relato dos acontecimentos com o cortejo de mortes, estropiamentos, massacres, torturas, e o conhecimento “in loco” da exploração desenfreada, maus tratos e repressão dos indígenas, não podia deixar ninguém indiferente.
Cavaco Silva ao apontar à juventude portuguesa actual, “ a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do ultramar”, coloca-se no campo dos saudosistas/ militaristas que fizeram das guerras em África um negócio de sangue, um modo de sobrevivência do regime fascista e ainda hoje sonham com o Império !…
Se na altura a obnubilação da consciência pela propaganda facciosa e patrioteira, podia explicar o conformismo e o carreirismo de alguns jovens milicianos e profissionais ( mais que a adesão ideológica ), a tomada de consciência com o 25 de Abril, levou a uma atitude crítica e de distanciamento, como refere C. Mourato, que volto a transcrever com a devida vénia : “ Felizmente que o 25 de Abril e os horizontes que abriu a quem quis aproveitar, deram-me respostas a estas interrogações. O jovem militar rebelde tinha, para a época, uma visão e uma cultura política mais avançada. O regime não o tinha conseguido formatar.”
Voltemos ao discurso do senhor presidente da República. Se algum comportamento pode ser relevado como sobressalto cívico , é o daqueles que se exilaram para não participarem na desdita de sufocar em sangue e morte o direito inalienável dos povos africanos à autodeterminação e independência.
No sentido de participação generosa deverá ser evocada sobretudo a coragem, o desprendimento e a determinação daqueles que sacrificaram a liberdade, a vida familiar e profissional, muitas vezes o próprio futuro, lutando por dentro do aparelho militarista para por fim ao desvario colonialista.
De forma determinante deverá ser enaltecida a coragem e o patriotismo dos jovens “capitães de Abril”, que interpretando o mais alto sentimento dignificador da Pátria vilipendiada, puseram fim, com risco e prejuízo da sua fazenda, ao regime colonialista-fascista de Salazar e Caetano.
Em última análise poderia ser valorizada a honra e coragem de dezenas de milhares de jovens africanos que morreram combatendo pela dignidade e libertação das suas terras.
Só estes jovens militares antifascistas e anti colonialistas dos anos 60 e 70 do século passado, têm direito à exemplificação histórica e a serem apontados, pela sua insubmissão e revolta, às modernas gerações que têm a responsabilidade de redimirem hoje a Pátria Portuguesa da desgraça neoliberal e capitalista em que os novos “vendilhões do templo e senhores da guerra” ( continuados detentores do poder), a estão a afundar. Também com a responsabilidade do actual Presidente da República!
Em nome de todos aqueles que perseguidos, presos, torturados, despromovidos, humilhados, exilados, traumatizados, deram o melhor da sua generosidade idealista e revolucionária pelo fim da Guerra Colonial, e pela redenção da Pátria Portuguesa, exigimos a correcção da interpretação histórica reaccionária feita pelo presidente da República de Portugal.
Armando de Sousa Teixeira
( ex-cadete , ex-furriel e ex-soldado
do Exército Português, com o nº 09420870,
mobilizado em Moçambique, 1972/74 )
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