Quando eu era menino havia o merceeiro da minha rua, o senhor Gaspar, que vendia mais caro mas como tinha sempre à mão o “rol dos fiados”, “metia a unha” como dizia a Dona Ermelinda a governanta do padre Dias. O senhor Silva, o dono da leitaria, amigo do senhor Gaspar seguia a mesma cartilha. De vez em quando via-os a cavaquear com a dona Assunção que era a dona do lugar da hortaliça que, como não percebia nada do negócio, seguia os conselhos que eles lhe davam.
Tempos difíceis em que muitos meninos iam descalços para a escola e outros nem isso, trabalhavam nos recados, na carvoaria do senhor António (que morreu) e o filho Marcelo tomou conta do negócio do carvão, do vinho, do álcool e do petróleo, explorando, do mesmo modo que o pai, os meninos que lá trabalhavam a troco de magra refeição, ainda que lhes dissesse que no futuro lhes daria mais qualquer coisa.
Esta “coisa” dos nomes “assaltou-me” a memória. O senhor Mário, o sapateiro, que dizia mal do Silva e do António , quando falava com os vizinhos da rua, à noite ia com eles para as patuscadas e era visita da casa. Mais tarde o mesmo viria a acontecer com o Marcelo e o Gaspar (filho).
Já o Senhor ALMEIDA ( alfaiate ) estava quase sempre preso, só porque queria uma vida melhor para os vizinhos e lhes falava da exploração e escravidão em que viviam os meninos que trabalhavam na carvoaria do sr. António, mas o interessante é que o Mário (sapateiro) se fingia amigo do SR. ALMEIDA. Este senhor Mário enganou muita gente.
Com o tempo comecei a entender as coisas e mais tarde conheci o SR. PEREIRA, um velho maçon e carbonário, HOMEM dos seus , quase, 90 anos, que participou nas revoluções republicanas e inimigo manifesto do António da carvoaria, que com uma lucidez e clareza nas palavras me foi contando a sua história de vida e me alertou para os “ditadores de vão de escada” que relacionei com os nomes que constavam da minha recordação de infância (o Silva da leitaria, o Gaspar da mercearia, a Assunção do lugar da hortaliça e do mais perigoso por ser falso, o Mário sapateiro. Explicou-me, então, porque é que o SR. ALMEIDA, tal como ele era preso por avisar e querer o bem dos outros. Percebi, então, porque é que, principalmente, o Gaspar da mercearia apoiado pelo Silva (o mais parecido com o António), a dona Assunção e às vezes o Mário sapateiro, falavam da vida difícil, da crise porque passavam, mas veio-se a saber que tinham prédios de renda noutra rua e propriedades na terra, ao contrário da minha professora que ia a pé para casa dos pais e do pouco que ganhava, comprava livros, lápis e cadernos para os meninos que não os tinham.
Mais tarde vim a saber que o sr. Mário (sapateiro) meteu a cartilha (que dava a conhecer a outros meninos) na gaveta e se fez amigo do FRANK, um estrangeiro que veio morar para a minha rua, só para criar confusão. Quando encontrar, no fundo das gavetas, os escritos sobre o Mário e o Frank, mas principalmente os relatos maravilhosos do SR. PEREIRA (um sapateiro sério e honrado) logo os enviarei para o BARREIROWEB.
ARFER
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