No Barreiro subsiste um importante património, hoje ao abandono e sujeito a vandalismo. Em terra de ferroviários, um grupo de cidadãos juntou-se para defender a memória da sua cidade.
O Barreiro já foi um dos maiores complexos ferroviários do país, mas agora a maioria do seu património está abandonado e degradado, desde que a actividade ligada aos caminhos-de-ferro deixou de ser importante para a cidade. Por isso, um grupo de cidadãos criou o Movimento Cívico para Salvaguarda do Património Ferroviário do Barreiro, que visa classificar os edifícios com valor histórico e que o PDM da cidade contemple a sua preservação e valorização.
José Encarnação, ferroviário, diz que aqueles activos “fazem parte da memória colectiva e da história do povo do Barreiro”, mas encontram-se “numa situação de abandono e incerteza quanto ao seu futuro”. Destaca a antiga estação ferro-fluvial do Sul e Sueste, que ainda é parcialmente utilizada por alguns maquinistas e revisores da CP, os quais já foram informados pela empresa que deverão sair dali a fim de poupar a renda que a transportadora pública paga à, igualmente pública, Refer, empresa proprietária do imóvel.
As oficinas ferroviárias são outro importante conjunto patrimonial. A EMEF – empresa de manutenção do material circulante da CP que ali possuía as mais importantes oficinas de diesel – está de saída, devendo parte dos seus trabalhadores ser transferida para o Poceirão e Lisboa e outra parte alvo de despedimento colectivo. Depois disso, alerta José Encarnação, será não só os edifícios mas também o vasto acervo ali existente que fica entregue ao vandalismo caso a CP mantenha o seu modo de actuação em relação aos edifícios devolutos – o abandono.
O Bairro dos Ferroviários – que a CP só recentemente registou em seu nome através da figura jurídica do usucapião – ainda tem alguns moradores, mas estes têm recebido cartas para abandonarem as velhas casas. Ao lado, o Palácio de Coimbra, também património ferroviário, está emparedado. E a rotunda das locomotivas, que servia de “garagem” para as máquinas desde os tempos do vapor ao actual material diesel, está também abandonada.
Armando Teixeira, engenheiro reformado da indústria química e ex-vereador pelo PCP na Câmara do Barreiro, é um dos promotores deste movimento cívico e acusa a CP e a Refer de “não terem qualquer tipo de consideração” em relação a um património que poderia figurar como um importante núcleo museológico sob a égide da Fundação Museu Nacional Ferroviário. “Estas empresas, o museu ferroviário e a Câmara do Barreiro, devem assumir as suas responsabilidades”, diz. Mas para isso era preciso que houvesse sintonia entre as várias entidades, a começar pela CP e Refer. O que não é o caso.
“O grande problema do Barreiro é que grande parte do domínio público ferroviário está na CP”, diz Carlos Fernandes, administrador da Refer, e responsável pela Refer Património, uma empresa afiliada que tem por missão valorizar os activos que já não têm utilização operacional.
Este responsável explica que só a Refer tem a possibilidade de dar novos usos a este património, coisa que já tem vindo a fazer um pouco por todo o país, nas estações das linhas que já fecharam. “O domínio público ferroviário que ficou na posse da CP só pode ser usado para funções operacionais. Quando deixar de ter esse uso, a CP não pode fazer mais nada com ele nem dar-lhe outro uso.” O administrador da Refer Património diz que só a sua empresa é que poderia fazê-lo, rentabilizando aqueles activos se fossem seus.
O PÚBLICO questionou a CP sobre o futuro deste património, mas não obteve resposta.
Já Regina Janeiro, vereadora da Câmara Municipal, diz que o executivo “tem acompanhado” este assunto com uma abordagem feita ao nível da “preservação” e da “divulgação” do património histórico, estando o município a trabalhar na classificação dos edifícios com interesse municipal e interesse público.
A autarca destaca, contudo, que o património ferroviário do Barreiro não deve ser só memória mas estar também voltado para o futuro. “Continuamos a defender a manutenção do parque oficinal no Barreiro, a concretização da terceira travessia sobre o Tejo [em Lisboa], bem como o parque oficinal da alta velocidade”, diz. E conclui: “Queremos preservar os postos de trabalho, os saberes e as competências dos ferroviários que aqui habitam.”O abandono das instalações ferroviárias do Barreiro caminha de mãos dadas com a redução do número de comboios da CP. Até há alguns anos, a cidade tinha composições directas para Évora, Beja, Faro, Lagos e Vila Real de Santo António. No Barreiro subia-se a um comboio e dele se descia em qualquer ponto do Alentejo e do Algarve. Sem quaisquer transbordos.
Hoje, a CP só assegura um serviço suburbano entre o Barreiro e Setúbal, obrigando os seus clientes a mudar de comboio no Pinhal Novo se quiserem ir para sul. Para Évora e Faro, a viagem faz-se com um único transbordo, mas para Beja já só se lá chega viajando em três comboios, o mesmo acontecendo para quem se destina a Portimão, Lagos, Tavira ou Vila Real de Santo António.
Além do incómodo, os transbordos penalizam tempos de viagem, apesar de os comboios hoje serem eléctricos e circularem a 200 km/hora. Em 1985, as pesadas locomotivas a diesel rebocavam comboios de passageiros do Barreiro para Faro em três horas e 31 minutos. Hoje, apesar das novas tecnologias da sinalização electrónica e com comboios modernos, a mesma viagem demora entre três horas e sete minutos e três horas e 25 minutos. O Barreiro ficou à margem da modernidade ferroviária.
In Jornal Publico
07.07.2012 – 13:51
Por Carlos Cipriano
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