No final de Dezembro, o Governo publicou um decreto-lei prolongando a concessão da exploração do serviço de transporte ferroviário de passageiros do eixo norte-sul da região de Lisboa – o chamado comboio da ponte – à Fertagus por mais 9 anos.
Enquanto os utentes se confrontam com um serviço muito mais caro, com uma oferta de transporte muito aquém das necessidades e do que seria exigível, com um sistema tarifário que exclui à partida o passe social intermodal – enquanto tudo isto acontece, só nos últimos cinco anos, o Estado pagou à Fertagus perto de 180 milhões de euros.
Está em causa actualmente uma diferença de tarifas, entre o operador privado Fertagus e o operador público CP.
Este negócio entre o Estado e a concessionária foi realizado à margem das regras definidas no contrato de concessão, fora do prazo legal e sem concurso público. O PCP defende que esta linha seja integrada no serviço público e no operador público CP, pondo termo à discriminação tarifária a que estas populações estão sujeitas há mais de uma década.
O PCP exigiu que este assunto seja discutido na AR.
Decreto-Lei n.º 138-B/2010 de 28 de Dezembro, «altera as bases revistas da concessão da exploração do serviço de transporte ferroviário de passageiros do eixo norte-sul da região de Lisboa»
Publicado em Diário da República, 1.ª série N.º 250 – 28 de Dezembro de 2010
O Decreto-Lei n.º 138-B/2010 de 28 de Dezembro apresenta-se como um diploma de «alteração às bases da concessão» em causa. Mas antes disso, e muito mais significativo, é na verdade um decreto-lei que renova e prolonga a concessão a privados deste serviço de transporte ferroviário.
Importa relembrar que esta concessão não se encontrava num quadro de renegociação do contrato – mas sim de fim do prazo, tendo chegado ao seu termo. A questão não é de saber em que se sentido se deveria alterar as bases desta concessão, mas sim de avaliar se tinha de continuar por mais tempo. E não tinha. O que era suposto era terminar em 31 de Dezembro de 2010, e a sua renovação é naturalmente uma decisão favorável para a concessionária, mas profundamente gravosa para os trabalhadores, os utentes e as populações, para o interesse público.
Neste contexto, poderia considerar-se caricato – sendo na verdade uma desonestidade política – que se afirme, como se afirma no preâmbulo do decreto-lei, apresentar-se como uma suposta vantagem «a possibilidade de o Estado proceder à denúncia do contrato com efeitos a 31 de Dezembro de 2016». E isso, sublinhe-se, apenas e só se a fundamentação invocada for a «compatibilização com as soluções» para a nova travessia do Tejo – caso contrário a continuidade oferecida ao grupo privado concessionário é ainda mais prolongada, mantendo-se até 31 de Dezembro de 2019.
Outra suposta vantagem deste diploma que agora teria sido “conquistada” pelo Estado é a «eliminação de compensações a atribuir à concessionária, que em 2009 ascenderam a cerca de 11 milhões de euros». Mas a realidade é que essa eliminação de pagamentos (designados como «compensações») à concessionária não é novidade rigorosamente nenhuma. Basta ver o que as bases da concessão já definiam.
Com efeito, o número 2 da Base III (tal como aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/2005 de 13 de Abril) estabelecia que «A prorrogação a que alude o número anterior, sem prejuízo da necessidade de negociações com vista ao acerto das condições contratuais a vigorar durante o período adicional, ocorrerá se o concessionário demonstrar objectivamente que, durante tal período adicional, não haverá lugar a qualquer comparticipação financeira do Estado, seja qual for a sua forma ou natureza […]».
O que sucede, aliás, é que o contrato de concessão, tal como agora é aprovado pelo Governo, estabelece situações em que é previsto o pagamento de comparticipações financeiras do Estado à concessionária, nomeadamente através da «reposição do equilíbrio financeiro» referida na Base VII. E essa «reposição» pode ser accionada, por exemplo, se o Estado quiser impedir os aumentos de tarifas que a concessionária pode livremente decidir, até um ponto percentual acima da taxa de inflação!
Os resultados da entrega aos interesses privados estão à vista no negócio da Fertagus, na ferrovia Lisboa/Setúbal: as populações pagam muito mais, por uma insuficiente oferta de transporte, sem poder sequer usar o passe social.
Está em causa actualmente uma diferença de tarifas, entre o operador privado Fertagus e o operador público CP, que salta à vista no quadro que se segue:
Estações(distância até Entrecampos) | Bilhete Simples | Assinatura de Linha | Preço por km(assinatura) |
Pragal (10,9 km) – Fertagus | 1,70 € | 35,80 € | 3,28 € |
Queluz-Belas (10,8 km) – CP | 1,30 € | 22,75 € | 2,11 € |
Fogueteiro (21,3 km) -Fertagus | 2,70 € | 59,55 € | 2,80 € |
Alverca (22,6 km) – CP | 1,80 € | 37,45 € | 1,66 € |
Coina (26,4 km) – Fertagus | 2,95 € | 69,90 € | 2,65 € |
Sintra (26,1 km) – CP | 1,80 € | 37,45 € | 1,43 € |
Setúbal (52,6 km) – Fertagus | 4,05 € | 111,00 € | 2,11 € |
Azambuja (47,6 km) – CP | 2,10 € | 47,80 € | 1,00 € |
Para além desta gritante discriminação ao nível dos preços, estão em causa ainda situações graves como a falta de comboios ao serviço, a oferta de transporte profundamente insuficiente (com períodos do dia de apenas um comboio por hora), a descoordenação e desadequação – e nalguns casos, a inexistência – do serviço rodoviário complementar da SulFertagus. A experiência concreta está a confirmar todos os dias os prejuízos para o país que resultam destas políticas de entrega de serviços fundamentais para os grupos privados.
Enquanto os utentes se confrontam com um serviço muito mais caro, com uma oferta de transporte muito aquém das necessidades e do que seria exigível, com um sistema tarifário que exclui à partida o passe social intermodal – enquanto tudo isto acontece, só nos últimos cinco anos, o Estado pagou à Fertagus perto de 180 milhões de euros.
[Total de €178.192.603,89 – ou seja, €54.806.638,29 em indemnizações compensatórias desde 2005, a que acresce o pagamento de €102.821.638,00 (mais IVA), autorizado pelo Governo na Resolução do Conselho de Ministros n.º 126/2005, de 8 de Agosto.]
Perante este quadro, será legítimo concluir que os grupos económicos não têm grande necessidade de quem os represente e defenda, nas negociações com estes Governos. A questão não é de saber se o Estado deve pagar mais dinheiro à concessionária – mas sim de verificar que já pagou uma verba absolutamente injustificável.
A presente situação levanta as maiores discordâncias relativamente às questões centrais, de opção política e estratégia económica, mas também relativamente à forma como este processo foi desenvolvido.
Há doze anos, o então Governo PS decidiu entregar a exploração da linha ferroviária da Ponte 25 de Abril a uma empresa privada. A CP foi impedida de concorrer e a “parceria público-privada” foi para a Fertagus, mais uma vez com enormes prejuízos para o Estado – apontados aliás pelo Tribunal de Contas, aliás tal como agora em relação ao Terminal de Contentores de Alcântara e sua concessão à Liscont/Mota Engil.
Ora, a verdade é que o Governo decidiu negociar com a Fertagus o prolongamento do contrato de concessão – quando as próprias bases da concessão já não o permitiam!
Foi através do Despacho n.º 20262/2009, publicado em Diário da República, que o Governo nomeou uma comissão para negociar com a Fertagus a prorrogação do contrato de concessão em causa. Nesse Despacho, o Governo invocava o Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho (que define o regime das parcerias público-privadas).
Mas o Governo nada disse sobre o Decreto-Lei n.º 78/2005 de 13 de Abril, que aprova as bases revistas da concessão da exploração do serviço de transporte ferroviário de passageiros do eixo norte-sul da região de Lisboa – ou seja, a legislação que rege directa e especificamente este contrato de concessão com a Fertagus.
Acontece que este diploma (DL 78/2005), na Base III (Prazo da concessão), determina:
«1 – O contrato de concessão vigora até 31 de Dezembro de 2010, podendo ser prorrogado por um período adicional de nove anos.
2 – A prorrogação a que alude o número anterior, sem prejuízo da necessidade de negociações com vista ao acerto das condições contratuais a vigorar durante o período adicional, ocorrerá se o concessionário demonstrar objectivamente que, durante tal período adicional, não haverá lugar a qualquer comparticipação financeira do Estado, seja qual for a sua forma ou natureza, e desde que, durante o período inicial, hajam sido cumpridos pelo concessionário os parâmetros destinados a avaliar a qualidade do serviço prestado pelo concessionário, a definir no contrato de concessão.
(…)
4 – As negociações a que alude o n.º 2 devem ter lugar entre 30 de Junho de 2008 e 30 de Junho de 2009.»
Assim, o que se evidencia é que o Governo já não podia encetar um processo negocial que, a ter-se realizado, teria obrigatoriamente de estar concluído mais de dois meses antes da nomeação dos negociadores.
Perante esta situação, o enquadramento legal em vigor desta concessão torna-se perfeitamente claro, confirmando e reforçando a perspectiva que tem sido evidente ao longo de anos: a ligação ferroviária Lisboa/Setúbal, pela Ponte 25 de Abril, devia ter sido dada por concluída a concessão à Fertagus no prazo previsto (31-12-2010).
Questionado pelo PCP, o Governo desenvolveu na sua resposta tese a todos os títulos extraordinária: «Estamos perante um contrato celebrado livremente entre duas partes e que pode ser modificado a todo o tempo, desde que assim seja entendido necessário. […] O prazo referido nas bases de concessão é, assim, indicativo e não vinculativo.»
Regista-se que até agora já foram conhecidos publicamente os protestos de outro operador privado de transporte colectivo, face a um contrato de concessão que foi prolongado fora dos preceitos definidos e sem qualquer mecanismo de concurso público. A CP mantém-se mais uma vez em silêncio, situação a que não será certamente alheio o facto de estar sob tutela dos mesmos governantes que promovem este negócio.
Nos debates na Assembleia da República que o PCP suscitou já na passada Legislatura sobre este contrato de concessão a privados, o PS tentou recorrer a uma mistificação, referindo a criação da Autoridade Metropolitana de Transportes e alegando ser essa a entidade responsável pela negociação com a empresa.
Agora foi o próprio Governo que veio desmentir as fracas justificações do Grupo Parlamentar do PS, nomeando uma comissão de negociadores (directamente, e sem nenhuma intervenção da Autoridade Metropolitana de Transportes). No entanto, o Governo opta por uma decisão tomada fora dos prazos, à margem da lei e “dando a mão” à concessionária privada que já manifestou publicamente a intenção de explorar o transporte ferroviário na Terceira Travessia do Tejo Barreiro/Lisboa.
O PCP sempre sublinhou o papel indispensável do sector público – e do investimento e financiamento público – para a efectiva concretização de um serviço público de transporte colectivo, digno desse nome. Esta situação constitui mais um motivo que vem reforçar a necessidade de reconhecer a CP como operador público do transporte ferroviário e integrar esta linha na rede por si gerida e explorada.
Face às considerações expostas, ao abrigo do artigo 169.º da Constituição da República e do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP requer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 138-B/2010 de 28 de Dezembro, que renova e altera as bases revistas da concessão da exploração do serviço de transporte ferroviário de passageiros do eixo norte-sul da região de Lisboa, aprovadas em anexo ao Decreto -Lei n.º 78/2005, de 13 de Abril, (Publicado em Diário da República, 1.ª série — N.º 250 — 28 de Dezembro de 2010).
DORS do PCP
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