No tempo em que os animais falavam, alguns tentavam descobrir o ouro, sem êxito, para grande irritação dos que mandavam em cada espécie.
Tais indivíduos pretendiam enriquecer depressa e ter, entre os frágeis, mais presas mas o cobiçado metal não surgiu – a diferença continuou, apenas, entre a força física dos bichos.
Muitos sóis e muitas luas iluminaram a Terra até ao aparecimento do Homem.
Diz a lenda que um deles, o poderoso Midas, Rei da Frígia, chegou a tal riqueza, ofertada pelo deus Dionísio, em recompensa de um bom acto feito a um ente querido deste.
À pergunta sobre o que desejava, Midas ter-lhe-á referido ouro. Assim aconteceu e a ganância do Rei era cada vez maior em relação à transformação dos seus objectos em tão preciso metal.
Só que a alegria que isso lhe provocava foi efémera: para além dos objectos, a própria filha do monarca tornou-se ouro, perante a aflição de Midas a quem o mesmo acontecia.
Viu-se, assim, o Rei obrigado a desistir de um projecto que transformava as pessoas em meros objectos reluzentes, simples valor material, sem proveito para ninguém, ele incluído.
E embora pudesse parecer que, depois de Midas, as preocupações passariam a ser com o bem-estar e a felicidade, tal não se realizou.
Depois de muitos outros sóis e luas, estudos efectuados, pesquisas feitas, dia e noite, ocorrerem, na busca da fórmula – mágica e química – que transformasse os metais em ouro.
Ouro: para se ter ainda mais do que o semelhante, para o fazer pobre – ou empobrecê-lo.
Para o humilhar.
Para o ter na mão.
Ouro! Ouro!
Sem resultados positivos, situação que terá contribuído para aumentar a loucura, certamente genética, de senhores que, encerrados em caminhos que a nada levavam, morriam de forma terrível.
Reis, príncipes, duques, marqueses, condes mandaram construir barcos e enviaram camponeses, feitos marinheiros, para longe da Europa, arrostando solidão, saudades, ansiedade, perigos, mares, paragens, mulheres e homens diferentes.
As viagens provocaram o assassínio de milhões de nativos, escravatura de outros tantos, pilhagem dos bens das suas regiões.
Armas de fogo, em tecnologia de morte, sofisticada para a época, eram o grande recurso técnico dos cobardes.
Desconhecidos que todos e tudo arrasavam.
Transportavam, ainda, outras mortes, causadas por roupa e outros objectos que, com eles, tinham levado de uma Europa em permanente confusão e pilhagens.
Descobriram-nas por acaso, com selvática e alegre utilização posterior.
Finalmente, tinha-se chegado às areias do ouro! O precioso metal aumentou os cofres, a arrogância e auto-convencimento dos donos da Terra, transmitidos, em herança, aos seus, através de gerações.
Sóis e luas passados, os descendentes de tal gente boçal chamaram aprendizes e ensinaram-lhes, com desvelo, a forma de exploração – que, aliás, consideravam perene, convencidos do seu poderio.
Pouco a pouco, passou-se o que para os detentores das guerras – e possuidores de ouro, prata, outras riquezas, meios de produção, produtores – fora imprevisível: os antigos discípulos, cínica e paulatinamente, obtiveram os conhecimentos dos mestres de lesa-humanidade até que os fragilizaram.
Para os desapossar do que tinham.
Ora, ao fim de gerações, sóis, luas e muitos sacrifícios, os populares, cada vez mais cultos e organizados, deram uma lição aos antigos senhores (quase na penúria, impotentes perante os falsos amigos e os seus desmandos): encontraram os novos bandidos e os valores materiais roubados e escondidos que tinham provocado a estagnação da economia, bem como a delapidação das finanças públicas.
Obrigaram-nos a trabalhar para as comunidades, fizeram-nos indemnizar os espoliados e os familiares dos que não tinham sobrevivido à nova onda de ganância.
As riquezas foram, finalmente, distribuídas, com justiça e bondade, e, passo a passo, esquecidos os exploradores, gerações de mulheres e homens construíram um bem-estar indestrutível.
Manuela Fonseca *
* Colaboradora do barreiroweb.com
3 Responses to "Os Senhores, os Aprendizes e o Povo (Conto para quase todos)"
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